domingo, 2 de janeiro de 2011

Sopas das boas ....

sopacherne.jpg
(Sopa de Cherne do Chef Albano Lourenço)

(Continuação de Sopas Portuguesas 1)
Não se esgotam as notas sobre o Caldo Verde. Parece sim um ícone nacional apesar das variantes em cada região. Será que se chama caldo porque não se introduzia o pão? Ainda hoje me consolo com alguns pratos dos quais apetece “apanhar” mais molho, e com um pedaço de pão limpar o prato, e fazer uma “sopinha”.
Se quisermos criar categorias de sopas, será fácil considerar as de legumes e leguminosas, as de pão, as de peixe, as de carne e ainda as doces. Por vezes encontramos sopas que podem ser consideradas em duas categorias como as Migas de Peixe da Beira Baixa que é uma sopa de pão e de peixe. É nestas variantes que a cozinha portuguesa é rica. Ela só pode ser analisada quando se observam as diferentes cozinhas regionais e e que no conjunto constituem o património culinário português.
Não podia deixar de começar, para escrever sobre sopas de pão, pela sopa das alheiras. Esta sopa poderá ter começado, pela comodidade do dia das alheiras, sendo o modo mais fácil de a família se alimentar em dia de confeção daqueles enchidos. Faz-se colocando fatias de pão numa terrina ou sopeira, enriquecidas por pedacinhos de carnes das alheiras, e depois rega-se com a água a escaldar de cozer as carnes. Coloca-se por vezes folhas de hortelã acabadas de ser colhidas. Esta sopa também pode ser considerada de carne se a quantidade desta for generosa. Continuando por Trás – os – Montes, há ainda as sopas de Xis ou sopas de pimentão. É uma sopa preparada na terrina colocando fatias finas de pão de mistura. Rega-se com caldo de carne e depois polvilha-se com pimentão-doce de forma generosa. À parte leva-se a ferver um pouco de azeite com alho picado. Rega-se com este azeite e é o som que é provocado pelo azeite sobre o pimentão, que lhe dá o nome. Nesta série de sopas de pão encontramos as várias Sopas Secas da Beira que são terminadas no forno. Estas sopas, nas quais o pão é produto determinante, podem ser completadas com carnes, legumes e leguminosas. Muitas vezes estas sopas representam uma refeição completa. Ainda como refeição completa temos na Beira um conjunto de sopas com pão, e associadas à matança de porco, que são também verdadeiras refeições fartas e completas. Nesse capítulo temos o Laburdo, sopa de pão e sangue de porco, confecionada a partir de um refogado com banha e cebola. Ainda o Jantar da Matança, com os ossos da cabeça e do espinhaço, couratos, chouriço de carne e couve tronchuda, e Sopa de Matação onde pontua o feijão vermelho e ovos. Mas as sopas de pão têm também um papel muito importante no Alentejo. Para além da famosa Açorda Alentejana, temos ainda a Sopa de Beldroegas com Queijinhos e Ovos, a Sopa de Espargos Bravos, a Sopa da Panela (mais uma sopa que é uma refeição completa), as Sargalhetas, a Sopa de Poejos ou Poejada, a Sopa de Túberas com Ovos, a Cabidela de Galinha de Mourão, a Sopa de Tomate ou Tomatada, e tantas outras. O Alentejo é em todos os capítulos um hino ao pão. Mas também o Algarve tem sopas importantes com pão como a Sopa de Cabeça de Peixe, Sopa de Cação, Sopa de Lebre, Sopa Montanheira e Sopa de Pão com Tomate.
Mas Portugal se é muito rico, é nas sopas de legumes e leguminosas. Hoje em dia começa-se muitas vezes a sopa com um caldo de batata, que engrossa. Até meados do século XIX a castanha teria essa função e lamentavelmente não temos um receituário associado. Há um movimento de recuperação da castanha e a criação de um receituário novo. Enumerar aqui todas as sopas deste grupo seria um longo texto, e muitas delas já foram referidas no grupo de sopas de pão. Fazem-se sopas de favas, de ervilhas, de feijão-verde, de feijão manteiga, de chícharos, de azedas, de abóbora, de tomate, de cebola, de agriões, de cascas, de lentilhas, de nabos, de salsa, de castanhas, de grelos, de milho, de funcho, de todas as couves, e de muitos outros produtos.
Nas sopas de peixe temos um elemento presente em quase todo o país que é o bacalhau. Começando por Bragança com uma Sopa de Bacalhau. No entanto, é nas Beiras do interior ou no Alentejo, que a variedade culinária é mais pródiga, e muitas vezes associada ao pão. No Ribatejo vamos ainda encontrar uma Sopa de Bacalhau dos Campinos, que é uma sopa de batata, onde entra também em menor quantidade o pão, e com a particularidade de o bacalhau ser servido à parte. O bacalhau já deu gosto, durante a cozedura, às batatas e ao pão. Ainda de bacalhau temos a Sopa de Feijão Branco com Bacalhau, no Alentejo. Fora deste contexto encontramos em Gimonde, Bragança, a Sopa de Congro e a Miga de Peixe ou Sopa de Peixe, na Beira Baixa, que sendo uma sopa de pão é também confecionada com peixes do rio, variados, e engrossada com ovos mexidos ou também, em alternativa, com um ovo escalfado por pessoa. Na zona do Tejo, particularmente em Vila Franca de Xira, temos uma sopa que está a cair em desuso que é a Sopa de Linguado, e que era apenas confecionada durante o verão. É utilizado o linguado pescado no rio e também leva pão, cebola, tomate, azeite, alho e hortelã. No Algarve, para além da Sopa de Cabeça de peixe atrás citada, também se confeciona uma Sopa de Lingueirão que leva massinha na confeção, além de azeite, gemas de ovo limão e salsa. Também se faz com conquilhas. Saltando para a Madeira encontramos a Sopa Caldeta que é com variados peixes do mar e uma Sopa de Peixe habitualmente confecionada apenas com peixe-espada. Nos Açores temos a invulgar Sopa de Caranguejos que é sobre pão e a gordura é banha de porco. Ainda a Sopa de Peixe, de S. Jorge, habitualmente com abrótea e rocaz, e a Sopa de Santa Maria confecionada com garoupa, ou pargo e goraz, e ainda a Sopa de Peixe da Terceira feita com cabeças de peixe, boca-negra e goraz. Claro que a “sopa” mais importante de peixe é a Caldeirada. É uma sopa completa que assumimos como um prato principal. No final ninguém abdica da sopinha da caldeirada que é o aproveitamento do caldo de cozedura ao qual se junta massinha e hortelã.
Bem, e agora, as sopas de carne. As mais substanciais. As que mais representam uma refeição completa. Não vou, obviamente, referir-me a sopas cujo elemento base também é o pão, como a Sopa das Alheiras, as Sopas Secas ou Sopa de Lebre. As sopas mais importantes de carne são o Rancho de Viseu, a Sargalheta do Alentejo, a Sopa da Panela e a Sopa de Túberas, ainda no Alentejo, a Sopa da Pedra de Almeirim e toda a variedade de Sopas do Espírito Santo nos Açores, variando de ilha para ilha. Todas as receitas têm uma história, e algumas vêm da História. Às vezes, como qualquer conto, a cada vez que se conta se acrescenta… um ponto. Mas o Rancho de Viseu consta que vem do tempo das guerras liberais e absolutistas pelo início do século XIX. Segundo se diz, o comandante militar deu ordem para fazer uma confeção com tudo que havia no aquartelamento. Daí saiu este prato forte que tanto ânimo deu aos militares que ficaram invencíveis. Na receita entra sempre carne de galinha, de vaca, de porco, enchidos, toucinho, grão-de-bico, batata, cenoura, couve portuguesa e macarrão. Já a Sopa da Pedra de Almeirim, mais recente, terá nascido no Restaurante Toucinho, em Almeirim, sendo-lhe dedicadas várias “estórias” que passam sempre pelo deambular de uma figura fradesca que se passeava com uma pedra no bolso. Quanto às Sopas do Espírito Santo, as mais famosas são as do Faial e as da Terceira. No entanto todas têm em comum uma grande variedade de carnes e sempre com couve, e vários temperos. Estas sopas justificam uma nova crónica para breve. Mas a exemplo dos peixes também temos nas carnes um prato que é uma sopa completa capaz de constituir uma refeição que é o Cozido. Nas suas diferentes versões, região a região, em todas se faz a sopinha final que é o caldo de cozedura ao qual se junta massinha.
Mas, o mais importante, é que se deve retomar as sopas como um elemento fundamental da nossa alimentação. E sobretudo educar as novas gerações a comerem sopa, pela saúde. Afaste-se a ideia das crianças de que a sopa é um castigo. A sopa é um BEM.
E os mais adultos aprendam a descobrir que com sopa também se pode beber vinho.
© Virgílio Nogueiro Gomes
Foto © Adriana Freire

Um comentário:

Anônimo disse...

O que está no prato é um camarão e não cherne! Será que a receita é fidedigna, já que a figura não o é?!!
Madalena Cabral