quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Mais uma receita do nosso AA ( Antigo Aluno )

bacalhaugomes.jpg

(Versão contemporânea do Chef Marco Gomes, Restaurante Foz Velha, Porto)

Sempre gostei muito de peixe apesar de ter sido educado numa região onde primava a carne. O peixe fresco estava associado a festa pois peixe fresco não chegava diariamente a Bragança. E a festa muitas vezes significava ir almoçar a Zamora. Peixe era peixe, bacalhau e polvo eram outra coisa: eram bacalhau e polvo. Depois vim a descobrir que Portugal “tem o melhor peixe do mundo”. Mas continuei a comer com muito prazer o bacalhau e o polvo. E depois quase ritualizar o seu consumo de acordo com os dias da semana. Cá ficou o hábito: segunda-feira é dia de bacalhau. E isto porque não havia mercado com peixe fresco. Hoje em dia é fácil de ultrapassar esta questão pois o desenvolvimento de fórmulas de conservar e o desenvolvimento da acua cultura permite com algum sucesso o abastecimento de peixe em condições corretas de qualidade. Mas eu continuei com o hábito de comer bacalhau à segunda-feira.  Apesar da grande variedade de receitas de bacalhau mantenho-me fiel a poucas, e gostando sempre de experimentar novo receituário. Uma das receitas que mais gosto de comer é Bacalhau à Gomes de Sá, Bacalhau à Brás, Bacalhau à Lagareiro e Bacalhau Cozido com Todos. Sempre que não tenho compromissos vou ao mesmo restaurante no qual, à parte, servem-me, uma molheira com azeite a ferver por saber que gosto do bacalhau bem regado.
Escrevo esta crónica do Brasil. Já tenho escrito sobre a dificuldade de sucesso de alguns restaurantes portugueses no estrangeiro. E particularmente no Brasil. Depois de mudar de instalações fui ao restaurante “Marquês da Varjota”, na Rua Frederico Borges, 426 em Fortaleza. Eu vinha do meu ensaio semanal de preparação do Carnaval, vou voltar a desfilar no Maracatu Rei de Paus, com vontade de comer polvo. Tinha acabado ao almoço e então optei por Bacalhau à Gomes de Sá. Esta receita, aliás como todas, precisa de três produtos fundamentais de grande qualidade: o bacalhau, a batata e o azeite. Eis uma trilogia de elite. Até parece que não confecionávamos bacalhau até metade do século XIX, época em que se generaliza o consumo de batata em Portugal. Portugal abastece-se de bacalhau desde o século XIV sendo o porto de Viana do Castelo o primeiro porto de descarga daquele pescado. Talvez por isso, é no Minho que encontramos a maior variedade de receitas de bacalhau. Mas dá para refletir sobre as receitas mais conhecidas e mais confecionadas terem todas nos seus ingredientes a batata. Mesmo os Bolinhos ou Pastéis de Bacalhau. Exceção para o Bacalhau Espiritual que é uma receita nascida em meado no século XX. O bacalhau foi sempre tão importante da população portuguesa que até consta que quando D. Maria I isentou o bacalhau de um imposto a população, querendo agradecer à Rainha a quebra desse imposto, e regressando ela de um passeio no rio Tejo, a obrigaram a fazer um pequeno percurso a pé no Terreiro do Paço, pela manifestação de júbilo de milhares de pessoas que lhe quiseram agradecer.
Consta que a receita do Bacalhau à Gomes de Sá terá nascido no Restaurante Lisbonense no Porto. O seu autor, José Luís Gomes de Sá (1851-1926), era filho de um grande comerciante de bacalhau. Perante a falência do seu pai viu-se obrigado a trabalhar tendo enveredado pela profissão de cozinheiro. Ora terá sido neste restaurante que instalou a receita recomendando aos seus seguidores que “se alterar qualquer coisa, já não fica capaz.” A receita não tem segredos, e por isso, e por ser uma mistura de ingredientes e formas de confeção brilhantes se tornou num ícone dos pratos de bacalhau. A delicadeza da receita é atribuída ao fato de as lascas de bacalhau ficarem de molho em leite que as deixará mais macias.
Vamos então à receita:
O mesmo peso de batatas e de bacalhau. Três dl de azeite, uma cabeça de alho, quatro cebolas, quatro ovos cozidos e um litro de leite por cada quilo de bacalhau. Azeitonas pretas, salsa, sal e pimenta a gosto. Começa-se por demolhar o bacalhau. (Tenho que confessar que já experimentei excelente bacalhau congelado já demolhado). Depois coze-se, deixa-se arrefecer e retiram-se as peles e espinhas ficando o bacalhau em lascas. Colocam-se as lascas em recipiente alto e cobrem-se de leite bem quente, onde devem ficar entre duas a três horas, de molho. Entretanto cozeram-se as batatas com pele, pelaram-se e foram cortadas às rodelas. Para uma frigideira alta cortam-se as cebolas às rodelas, pica-se o alho e rega-se com o azeite. Deixa-se aloirar a cebola sem refogar. Juntam-se as lascas de bacalhau, escorridas, e as batatas. Envolve-se tudo e tempera-se com sal e pimenta a gosto. Não se esqueçam de provar antes de temperar! Coloca-se este conjunto em tabuleiro de barro de ir ao forno. Enfeita-se com as rodelas de ovo cozido e vai ao forno bem aquecido por cerca de a dez a quinze minutos. Retira-se do forno e enfeita-se com salsa picada e azeitonas pretas. Eu gosto do bacalhau bem azeitado. Por isso termino-o, muitas vezes, com uma rega ligeira de azeite a ferver. Tão simples, tão fácil e tão bom…
Comi um Bacalhau à Gomes de Sá em excelente estado no “Marquês da Varjota”. Fiquei na esplanada pois não consigo habituar-me aos ambientes excessivamente gelados dos interiores dos restaurantes. Eu refugiei-me em Fortaleza a fugir do frio invernoso de Portugal. Mas sentado na esplanada tinha à minha frente uma pintura em “trompe l’oeil” como se estivesse sentado na esplanada da Pousada do Monte de Santa Luzia em Viana do Castelo. Melhor, como se ainda estivesse no tempo em que aquela unidade era hotel. E isto porque a curta distância estava reproduzida uma “Minhota” em trajo domingueiro como havia alguns dias da semana enquanto era hotel. Depois lá está a igreja de Santa Luzia, o rio Lima e o oceano Atlântico.
Esta receita leva-me a repetir a minha surpresa quando folheei o primeiro livro de cozinha luxemburguesa. Já surpreendido pelo prefácio onde se constata que a dimensão de portugueses residentes naquele Grão-Ducado levava a considerar como seus pratos alguns de bacalhau instalados pela nossa presença. E o mais destacado é o “Gratin de Morue” tendo como subtítulo explicativo “Bacalhau à Gomes de Sá”.
Bom Apetite. E não esqueçam que o bacalhau fica melhor ainda acompanhado por um bom vinho.
© Virgílio Nogueiro Gomes

domingo, 9 de janeiro de 2011

Mais fotos do 1ª Encontro AAALB - 1º de Dezembro de 2010


Fotos enviadas pela associada Cesarina Gonçalves

sábado, 8 de janeiro de 2011

Vivam os cuscos ...

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(Preparação de cuscos - secagem após separação por tamanhos de granulação)
Imagem retirada de "Os Gestos dos Sabores", citado no texto

Não, não vou escrever sobre alcoviteiros nem sobre transmissores de notícias, segredos, que têm o condão de os divulgar rapidamente.
Estes cuscos são de comer, embora a tradição já não ser o que era. E por isso esta minha crónica. Para aqueles que ainda se lembram, e para despertar a curiosidade daqueles que nunca os provaram. Devo confessar que não tenho, na memória de infância, lembranças de assistir à sua confeção ou consumo. Só mais tarde ouvi falar e sempre associado a uma herança dos muçulmanos do Magreb, os infiéis. Talvez por isso se tenham apagado nas nossas práticas. Mas, a partir de que época deixou de ser um alimento constante na dieta dos transmontanos? Transmontanos da Terra Fria segundo me parece constatar. Curioso é verificar que foram os portugueses, a partir do século XVI, que levaram a tradição dos cuscos para Cabo Verde e daí para o Brasil. Depois dá para pensar como atualmente se confecionam em Israel cuscos iguais aos transmontanos. Esta questão foi-me apresentada pela nossa ilustre autoridade Maria de Lourdes Modesto. Não querendo eu surgir com uma resposta rápida, mas de fácil dedução, conversei com a outra autoridade transmontana que é o meu amigo António Monteiro que já escreveu, e muito sabe, sobre a matéria. Depois de várias conversas lá me arrisquei a imaginar que possivelmente algumas famílias de judeus que habitaram na zona raiana, terão partido para outras regiões, com a perseguição da Inquisição, levando com elas a tradição de preparação dos cuscos. Estas tradições mantêm-se, por vezes, por várias gerações. É provável que, quando da criação do Estado de Israel, algumas dessas famílias tenham levado com elas o hábito dos cuscos e o mantenham…
Eu gostaria é de saber porque é que se perdeu o costume em Trás-os-Montes. Ao que me parece apenas Maria de Lurdes Diegues, de Vinhais, é uma das últimas artífices desta iguaria. E chamo iguaria pela simplicidade do produto, nascido possivelmente pelo seu baixo custo, aproveitando ainda um artigo de produção local que é o trigo “barbela”. E com a vantagem de ser um produto polivalente pois serve para a sopa, acompanha peixes ou carnes e também se faz doce. Esta atividade, de fazer cuscos, seria ocupação de tempos menos afadigados, sendo os cuscos um produto armazenável e de confeção direta. Noutros tempos os cuscos seriam muito mais baratos do que o arroz e, mais tarde, do que a batata.
Qual é o segredo dos cuscos? Para responder a esta pergunta não há como ver o filme, em DVD, “Os Gestos dos Sabores”, produzido pela Associação para o Estudo e Promoção das Artes Culinárias, do qual lamento eu, e muitos mais, não haver uma edição disponível no comércio.
Não me vou alongar sobre as qualidades do trigo “barbela”. Mas é de produção local e, segundo julgo saber, teria uma capacidade inferior de produção de farinha pelo que era importante dar-lhe utilização, fazendo dele também outra farinha. Vou tentar explicar como se fazem os cuscos. Primeiro temos uma caixa masseira, em madeira, onde se coloca a farinha “barbela”. À parte preparamos uma tina com água morna e com sal. Esta água deve ser provada para garantir que não tem excesso de sal. Depois arranjámos uma vassoura de produtos vegetais que pode ser de erva da linhaça, semelhante às de limpar fornos. A farinha vai sendo salpicada, de água morna e com sal, com a vassoura. Gentilmente com as duas mãos vai-se remexendo a farinha sem a calcar pois pode “empapar”. Repete-se esta operação até que a farinha fique toda granulada. Depois passa-se por um crivo e vamos obter grãos finos e grãos mais grossos. Levam-se estes granulados a secar sobre uma toalha de tecido sendo bem espalhados com as mãos. Agora a operação delicada de cozer. É necessário ter uma cuscoseira. Esta consiste num objeto cónico com furinhos (imaginem um “chinês”- passador) que encaixa sobre uma panela onde se coloca água para ferver. Embrulham-se os cuscos num tecido e colocam-se sobre o objeto cónico. Deve-se garantir que da panela (ou pote de três pés) não saia vapor. Para isso pode usar-se uma massa simples de água e farinha que funciona como vedante e se utiliza para “fechar” a zona de encaixe da peça cónica com a panela. Os cuscos não devem tocar a água e a água vai ferver para produzir vapor que cozerá os cuscos. Depois retiram-se e, com a ajuda das mãos, separam-se e levam-se a secar por dois dias. Estão prontos e podem ser guardados. Claro que por este texto não ficaram a aprender a fazer cuscos. Apenas para terem uma ideia dos procedimentos fundamentais. O importante é aprender a usá-los na cozinha. Já se encontra no mercado, cuscos transmontanos. Estes, irregulares na sua granulação, revelam o modo artesanal, que significa riqueza, como são produzidos. Que não é o mesmo produto dos “couscous” magrebinos.
Na cozinha os cuscos podem servir para engrossar uma sopa ou ser um seu complemento. Depois podem ser cozidos e acompanhar peixe ou carne. Podem ainda ser guisados com chouriça ou repolgas, e também podem ser sobremesa. Cozidos em água açucarada e depois regados com mel e canela… Invente a cozinhar com cuscos. Vamos depressa enquanto há alguém que os produz, e tenhamos esperança que apareçam outros. E esperemos que a Maria de Lurdes Diegues ensine a muitos, como fazer.
Para conhecer a universalidade dos “couscous” sugiro um livro extraordinário com o título “Le Livre du Couscous”, de Fatéma Hal, publicado pela Editora Stock em 2000. Para os mais curiosos ISBN 9782234053076.
Outra sugestão ainda para este inverno frio: ver o filme, disponível em DVD, com o título “O segredo de um Couscuz” que Abdellatif Kechiche realizou em 2006, que mostra como a simplicidade de um prato pode ser um elemento de união familiar. Filme no qual não vai prender a fazer os cuscos. É sobretudo uma lição de como um produto alimentar pode ligar as famílias. Encantador.

© Virgílio Nogueiro Gomes

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

domingo, 2 de janeiro de 2011

Sopas das boas ....

sopacherne.jpg
(Sopa de Cherne do Chef Albano Lourenço)

(Continuação de Sopas Portuguesas 1)
Não se esgotam as notas sobre o Caldo Verde. Parece sim um ícone nacional apesar das variantes em cada região. Será que se chama caldo porque não se introduzia o pão? Ainda hoje me consolo com alguns pratos dos quais apetece “apanhar” mais molho, e com um pedaço de pão limpar o prato, e fazer uma “sopinha”.
Se quisermos criar categorias de sopas, será fácil considerar as de legumes e leguminosas, as de pão, as de peixe, as de carne e ainda as doces. Por vezes encontramos sopas que podem ser consideradas em duas categorias como as Migas de Peixe da Beira Baixa que é uma sopa de pão e de peixe. É nestas variantes que a cozinha portuguesa é rica. Ela só pode ser analisada quando se observam as diferentes cozinhas regionais e e que no conjunto constituem o património culinário português.
Não podia deixar de começar, para escrever sobre sopas de pão, pela sopa das alheiras. Esta sopa poderá ter começado, pela comodidade do dia das alheiras, sendo o modo mais fácil de a família se alimentar em dia de confeção daqueles enchidos. Faz-se colocando fatias de pão numa terrina ou sopeira, enriquecidas por pedacinhos de carnes das alheiras, e depois rega-se com a água a escaldar de cozer as carnes. Coloca-se por vezes folhas de hortelã acabadas de ser colhidas. Esta sopa também pode ser considerada de carne se a quantidade desta for generosa. Continuando por Trás – os – Montes, há ainda as sopas de Xis ou sopas de pimentão. É uma sopa preparada na terrina colocando fatias finas de pão de mistura. Rega-se com caldo de carne e depois polvilha-se com pimentão-doce de forma generosa. À parte leva-se a ferver um pouco de azeite com alho picado. Rega-se com este azeite e é o som que é provocado pelo azeite sobre o pimentão, que lhe dá o nome. Nesta série de sopas de pão encontramos as várias Sopas Secas da Beira que são terminadas no forno. Estas sopas, nas quais o pão é produto determinante, podem ser completadas com carnes, legumes e leguminosas. Muitas vezes estas sopas representam uma refeição completa. Ainda como refeição completa temos na Beira um conjunto de sopas com pão, e associadas à matança de porco, que são também verdadeiras refeições fartas e completas. Nesse capítulo temos o Laburdo, sopa de pão e sangue de porco, confecionada a partir de um refogado com banha e cebola. Ainda o Jantar da Matança, com os ossos da cabeça e do espinhaço, couratos, chouriço de carne e couve tronchuda, e Sopa de Matação onde pontua o feijão vermelho e ovos. Mas as sopas de pão têm também um papel muito importante no Alentejo. Para além da famosa Açorda Alentejana, temos ainda a Sopa de Beldroegas com Queijinhos e Ovos, a Sopa de Espargos Bravos, a Sopa da Panela (mais uma sopa que é uma refeição completa), as Sargalhetas, a Sopa de Poejos ou Poejada, a Sopa de Túberas com Ovos, a Cabidela de Galinha de Mourão, a Sopa de Tomate ou Tomatada, e tantas outras. O Alentejo é em todos os capítulos um hino ao pão. Mas também o Algarve tem sopas importantes com pão como a Sopa de Cabeça de Peixe, Sopa de Cação, Sopa de Lebre, Sopa Montanheira e Sopa de Pão com Tomate.
Mas Portugal se é muito rico, é nas sopas de legumes e leguminosas. Hoje em dia começa-se muitas vezes a sopa com um caldo de batata, que engrossa. Até meados do século XIX a castanha teria essa função e lamentavelmente não temos um receituário associado. Há um movimento de recuperação da castanha e a criação de um receituário novo. Enumerar aqui todas as sopas deste grupo seria um longo texto, e muitas delas já foram referidas no grupo de sopas de pão. Fazem-se sopas de favas, de ervilhas, de feijão-verde, de feijão manteiga, de chícharos, de azedas, de abóbora, de tomate, de cebola, de agriões, de cascas, de lentilhas, de nabos, de salsa, de castanhas, de grelos, de milho, de funcho, de todas as couves, e de muitos outros produtos.
Nas sopas de peixe temos um elemento presente em quase todo o país que é o bacalhau. Começando por Bragança com uma Sopa de Bacalhau. No entanto, é nas Beiras do interior ou no Alentejo, que a variedade culinária é mais pródiga, e muitas vezes associada ao pão. No Ribatejo vamos ainda encontrar uma Sopa de Bacalhau dos Campinos, que é uma sopa de batata, onde entra também em menor quantidade o pão, e com a particularidade de o bacalhau ser servido à parte. O bacalhau já deu gosto, durante a cozedura, às batatas e ao pão. Ainda de bacalhau temos a Sopa de Feijão Branco com Bacalhau, no Alentejo. Fora deste contexto encontramos em Gimonde, Bragança, a Sopa de Congro e a Miga de Peixe ou Sopa de Peixe, na Beira Baixa, que sendo uma sopa de pão é também confecionada com peixes do rio, variados, e engrossada com ovos mexidos ou também, em alternativa, com um ovo escalfado por pessoa. Na zona do Tejo, particularmente em Vila Franca de Xira, temos uma sopa que está a cair em desuso que é a Sopa de Linguado, e que era apenas confecionada durante o verão. É utilizado o linguado pescado no rio e também leva pão, cebola, tomate, azeite, alho e hortelã. No Algarve, para além da Sopa de Cabeça de peixe atrás citada, também se confeciona uma Sopa de Lingueirão que leva massinha na confeção, além de azeite, gemas de ovo limão e salsa. Também se faz com conquilhas. Saltando para a Madeira encontramos a Sopa Caldeta que é com variados peixes do mar e uma Sopa de Peixe habitualmente confecionada apenas com peixe-espada. Nos Açores temos a invulgar Sopa de Caranguejos que é sobre pão e a gordura é banha de porco. Ainda a Sopa de Peixe, de S. Jorge, habitualmente com abrótea e rocaz, e a Sopa de Santa Maria confecionada com garoupa, ou pargo e goraz, e ainda a Sopa de Peixe da Terceira feita com cabeças de peixe, boca-negra e goraz. Claro que a “sopa” mais importante de peixe é a Caldeirada. É uma sopa completa que assumimos como um prato principal. No final ninguém abdica da sopinha da caldeirada que é o aproveitamento do caldo de cozedura ao qual se junta massinha e hortelã.
Bem, e agora, as sopas de carne. As mais substanciais. As que mais representam uma refeição completa. Não vou, obviamente, referir-me a sopas cujo elemento base também é o pão, como a Sopa das Alheiras, as Sopas Secas ou Sopa de Lebre. As sopas mais importantes de carne são o Rancho de Viseu, a Sargalheta do Alentejo, a Sopa da Panela e a Sopa de Túberas, ainda no Alentejo, a Sopa da Pedra de Almeirim e toda a variedade de Sopas do Espírito Santo nos Açores, variando de ilha para ilha. Todas as receitas têm uma história, e algumas vêm da História. Às vezes, como qualquer conto, a cada vez que se conta se acrescenta… um ponto. Mas o Rancho de Viseu consta que vem do tempo das guerras liberais e absolutistas pelo início do século XIX. Segundo se diz, o comandante militar deu ordem para fazer uma confeção com tudo que havia no aquartelamento. Daí saiu este prato forte que tanto ânimo deu aos militares que ficaram invencíveis. Na receita entra sempre carne de galinha, de vaca, de porco, enchidos, toucinho, grão-de-bico, batata, cenoura, couve portuguesa e macarrão. Já a Sopa da Pedra de Almeirim, mais recente, terá nascido no Restaurante Toucinho, em Almeirim, sendo-lhe dedicadas várias “estórias” que passam sempre pelo deambular de uma figura fradesca que se passeava com uma pedra no bolso. Quanto às Sopas do Espírito Santo, as mais famosas são as do Faial e as da Terceira. No entanto todas têm em comum uma grande variedade de carnes e sempre com couve, e vários temperos. Estas sopas justificam uma nova crónica para breve. Mas a exemplo dos peixes também temos nas carnes um prato que é uma sopa completa capaz de constituir uma refeição que é o Cozido. Nas suas diferentes versões, região a região, em todas se faz a sopinha final que é o caldo de cozedura ao qual se junta massinha.
Mas, o mais importante, é que se deve retomar as sopas como um elemento fundamental da nossa alimentação. E sobretudo educar as novas gerações a comerem sopa, pela saúde. Afaste-se a ideia das crianças de que a sopa é um castigo. A sopa é um BEM.
E os mais adultos aprendam a descobrir que com sopa também se pode beber vinho.
© Virgílio Nogueiro Gomes
Foto © Adriana Freire

sábado, 1 de janeiro de 2011